CHEIRO DE MORTE - J. B. Rodrigues
...A voz de Zaira foi ficando
cada vez mais distante, enquanto um sentimento de fraqueza tomava conta de Arthur...
sentia-se como se estivesse levitando; como se seu espírito estivesse saindo do
corpo. Percebeu que uma porta abria-se atrás de si deixando entrar uma lufada
de ar... Num esforço Arthur respirou
fundo, e então deu-se conta do que estava ocorrendo, e que estava acontecendo de
novo. Abriu sua boca, aterrorizado, num grito sem voz...
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A mesa tornava-se cada vez mais
farta e enfeitada, na medida em que os garçons traziam os pratos, todos eles
deliciosamente decorados. Alguns convidados ainda chegavam sorridentes, apesar
de atrasados, e à distância Arthur observava Katy. Ela sentia-se nas nuvens com
tantos presentes e manifestações de carinho. Esperara ansiosamente por esse
dia, e estava feliz por tudo estar se realizando como sonhara. E Arthur, ainda
mais, por poder proporcionar à filha aquela felicidade.
- Feliz aniversário princesa! –
disse Arthur aproximando-se por trás da filha. -Espero que esteja feliz...
foi o melhor que consegui.
-Oh, papai! Tudo está tão
perfeito! – Exclamou Katy. –Não poderia ser melhor!
-A mesa já está pronta, filha. E
você precisa abrir o buffet para os convidados – disse Arthur. Ele cuidava de
todos os detalhes para que nada saísse da programação. Arthur observava Katy
dirigindo-se elegantemente em direção ao buffet, quando sentiu um aroma
agradável atrás de si. Não precisava virar-se para saber quem usava aquele
perfume. Por dezessete anos conhecia aquele “cheiro” que sempre despertava nele
todos os instintos de homem.
- Ela não está maravilhosa? –
Disse Zaira, também observando o passo cadenciado de Katy.
–Sim – respondeu Arhtur olhando-a
com ternura. –E não poderia ser
diferente com a mãe que tem...- Acrescentou.
Zaira enganchou seu braço no de
Arthur, e juntos assistiam à cerimônia que daria abertura ao buffet. Arthur não
via a hora de poder servir-se, pois inexplicavelmente sentia uma fome avassaladora.
De repente Arhtur sente uma tontura e uma sensação de desequilíbrio. Tenta,
inutilmente, agarrar-se à Zaira que parece nada perceber, enquanto é projetado
ao solo que, inesperadamente, estava muitos metros abaixo do normal...
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Num grande sobressalto, Artur
acordou pendurado num emaranhado de cipós e folhas, balançando de um lado para
o outro como se fosse um pêndulo. Foram necessários alguns segundos para Arthur
assimilar o que estava acontecendo. Deixou-se balançar por mais um pouco, em
profundo desânimo, ao constatar que estivera sonhando quando caiu da árvore.
Com esforço, Arthur ergueu seu corpo para os galhos do grande carvalho.
Já fazia semanas que Arthur
dormia durante o dia nos galhos do grande carvalho do Parque Nacional de Arnack,
que ficava ao sul da cidade, desde que descobriu que seus galhos e folhas, bem como toda a vegetação do parque, formavam
uma ótima camuflagem que o protegia dos alienígenas durante o dia. Assim, Arthur
escolheu uma forquilha na parte mais alta do carvalho, onde preparou uma
espécie de rede com cipós como cama. Também teve o cuidado de manter suas
pernas e braços amarrados enquanto
dormia para evitar uma eventual queda durante o sono, o que se mostrou
providencial, como acabara de experimentar. Mas o dia já estava declinando, e
havia muito por fazer. A noite era o momento mais seguro para continuar sua
busca, e cumprir sua missão. Arthur começou a retirar os galhos, e folhas, que
amarrara ao corpo como parte de sua camuflagem enquanto pensava na estratégia
para aquela noite.
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Fazia pouco mais de dois meses
que eles haviam chegado. De maneira rápida e imperceptível, os alienígenas
pousaram no meio do oceano Atlântico, de
onde dirigiram-se para a terra seca mantendo suas naves submersas afim de não
levantarem suspeitas. Infiltraram-se no litoral de Aberdeen, norte da Escócia,
e pouco a pouco foram dominando a população.
Não eram muitos os alienígenas.
Apenas algumas dezenas de criaturas com a missão de estabelecer na terra um
quartel general para uma invasão em massa. Dominavam os seres humanos entrando
em suas mentes quando olhavam em seus olhos, e tornando-as cativas à sua
vontade. Logo após injetavam um sua corrente sanguínea uma substância que
provocava uma mutação genética tornando os humanos em zumbis, sem vontade
própria, e escravos de seus propósitos. Ainda não se sabia o que pretendiam com
a invasão da terra, e era isso que Arthur pretendia descobrir. Por enquanto,
tudo o que Arthur sabia era que os alienígenas eram um tipo de seres com
protuberâncias na pele - tipo o que alguns índios da áfrica fazem ao inserir
sementes por baixo da pele. Possuíam uma
forma mista de humanóides e animais, e uma força sobre humana, além, é claro,
da capacidade de entrar nas mentes humanas e dominá-las. Ah, havia ainda, uma
outra característica nos alienígenas, e nos humanos que sofriam a mutação.
Possuíam um cheiro de carne podre que já tinha tomado conta da cidade. Um fedor
de putrefação que dava a impressão de que todos os mortos haviam saído de suas
tumbas e passeavam pela cidade.
Todos os habitantes de Aberdeen, com exceção de
Arthur, já haviam sido sido dominados. Foram caçados sem trégua por um exército
de zumbis já dominados, para capturar e trazer à presença deles os ainda não
dominados. A prioridade, e principal missão dos alienígenas antes de
prosseguirem na conquista de outras cidades, era capturar Arthur, que por
alguma razão desconhecida , não podia ser subjugado pelo poder dos alienígenas.
Tinham de capturá-lo e estudar seu cérebro, a fim de descobrirem qual a razão
de sua imunidade.
Embora sabendo que era caçado,
Arthur tinha que entrar na cidade. Seu objetivo era não apenas descobrir o que
pretendiam os alienígenas, e não apenas tentar buscar socorro na cidade vizinha
- se conseguisse chegar nela, mas acima de tudo, encontrar sua mulher e sua
filha. Ele sabia que não poderia trazê-las de volta por já terem sido subjugadas.
A essa altura o processo de mutação já teria ocorrido. Mas precisava
encontrá-las, e por pior que isso fosse, teria de matá-las para libertá-las. Isto
Seria menos doloroso do que vê-las transformadas em mortas-vivas, e submissas
às repugnantes criaturas.
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De onde estava, Arthur ainda
podia ver a cidade ao longe. Logo tudo estaria mergulhado na escuridão já que o
serviço de energia estava em total colapso, bem como todos os demais serviços
essenciais na cidade. “Pelo menos isto está a meu favor” – pensou ele, enquanto
se preparava, como um soldado se prepara para a batalha. Passou graxa de sapato
no rosto e nas mãos, a fim de tornar-se mais invisível na escuridão e pegou
suas armas – um facão de cinqüenta centímetros de comprimento que carregava às
costas estilo samurai, e uma faca de caça com lâmina fina e pontuda que trazia
na bota. Para completar seu arsenal, um bastão de madeira, de tamanho
suficiente para esconder na parte interna da jaqueta. Arthur queria agir
silenciosamente, por isso não optou por nenhuma arma de fogo, embora houvesse
muitas ao seu alcance.
Enquanto se preparava, pensava na
sua mulher e filha. Ainda estava sensível pelo efeito que seu sonho produziu.
Foi naquele dia de felicidade, no aniversário de sua filha, que tudo aconteceu.
De repente um forte cheiro de carne podre invadiu o ambiente, e todos os que
olhavam espantados para as terríveis criaturas foram, um a um, subjugados.
Arthur viu quando agarravam sua filha e com uma espécie de pistola
injetaram-lhe uma substância. Avançou como um louco para cima do alienígena que,
sem fazer esforço, arremessou-o contra a parede como se ele fosse nada. Quando
recobrou a consciência, notou que todos agiam como zumbis, com o olhar vago e
distante, e um dos alienígenas continuava o processo de infecção dos convidados
com sua pistola. Não entendia como apenas ele parecia normal. Procurou com seus
olhos sua mulher, e Katy, mas viu que já era tarde demais. Só havia uma coisa a
fazer, fugir dali enquanto podia, valendo-se do fato que os alienígenas ainda
não haviam percebido que ele era imune ao seu controle, e antes de ser
infectado. Só assim poderia tentar ajudá-los, se fosse possível.
Quando os alienígenas perceberam
que ele fugia, já era tarde demais. Já tinha uma grande vantagem sobre as
criaturas que agora o perseguiam, e
notou como elas ficavam confusas e perdidas em meio à vegetação do jardim. Foi
assim que decidiu dirigir-se ao Parque Nacional de Arnack, onde refugiou-se
para definir uma estratégia. Passava camuflado no Parque durante o dia, onde
descansava e dormia, e à noite descia para a cidade à procura de sua família.
Esta noite sua tarefa seria mais
perigosa. Tentaria penetrar no QG dos alienígenas, uma vez que era o único
lugar onde ainda não procurara sua família. Ele já percebera como o interesse
dos alienígenas em capturá-lo era grande, por razões óbvias. Era muito provável
que sua família estivesse entre eles como uma isca a fim de atraí-lo. Arthur
sabia o risco que representava aproximar-se deles. Mas estava disposto mesmo a
morrer, se necessário, desde que conseguisse libertar sua mulher e filha
daquela triste condição. Além do que, viver sem elas - ou com elas naquelas
circunstâncias - não fazia o menor
sentido.
Não era difícil localizar os
alienígenas. Além do cheiro que os denunciava, seu QG era o único lugar onde
havia luz na cidade. Longe de ser uma vantagem, isso se constituía num perigo
maior para Arthur, pois até então, além da vegetação no parque, havia se valido
também da escuridão para esconder-se ou movimentar-se. Com todo o cuidado, e
com todos os sentidos alerta – especialmente o olfato - Arthur esgueirou-se por
entre as árvores que cercavam o grande pátio onde um complexo de construções
estava em andamento. O prédio central era o mais iluminado, o que indicava que
era ali onde se encontrava a cúpula alienígena. Arthur observou cuidadosamente
o lugar, estudando cada ponto enquanto tentava formar a melhor estratégia para
penetrar sem ser notado. Nisso um cheiro nauseante infestou o ar, e Arthur já
sabia que algum alienígena se aproximava. Uma espécie de sentinela fazia a
ronda junto à cerca de proteção, o que obrigou Arthur a permanece tão imóvel
quanto a árvore atrás da qual se escondia. Assim que o guarda se afastou,
Arthur aproximou-se mais da cerca e observou ao longe a movimentação de vários
humanos zumbis no interior do pátio. Arthur decidiu, então, retirar-se com uma
ideia tomando forma em sua mente.
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O esforço para dominar a náusea, e
segurar o vômito, era quase sobre humano. Mas Arthur estava convencido de que
não havia outra maneira para entrar no complexo dos alienígenas sem ser notado
por eles, ou pelos zumbis. Enfim, não suportou mais, e vomitou penosamente
enquanto esfregava a carcaça apodrecida do cachorro morto há vários dias em sua
pele e roupas. Desta maneira esperava penetrar entre os alienígenas fazendo-se
passar por zumbi. Quase asfixiado pelo odor, tomou o rumo do complexo
alienígena novamente, esperando que, com o tempo, seu olfato se acostumasse com
o cheiro, tornando-o ao menos, suportável. Ao passar furtivamente por baixo da
cerca, e penetrar no campo inimigo, uma dose de adrenalina tomou conta dele, de
forma que quase não sentia o nauseante odor putrefato.
O maior desafio estava à sua
frente, quando percebeu que para chegar ao prédio central precisaria passar por
um grupo de zumbis que perambulavam de um lado para o outro como autômatos, não
havia outra maneira de aproximar-se, e este seria o grande teste para sua
estratégia odorífica. Tentando fazer-se parecer também um zumbi, com o olhar
vazio e distante, Arthur balançava o corpo ao caminhar como se tivesse uma
perna mais curta, e assim passou por entre eles sentindo o fedor
intensificar-se em suas narinas. -“foi mais fácil do que imaginei” – pensou.
Arthur estava, agora, diante da
porta que dava para o prédio central - O coração do quartel general dos
alienígenas. Era de estranhar que não havia ali nenhum esquema de segurança.
Arthur deu-se conta, então, de que além dele, não havia mais ninguém que
pudesse representar qualquer ameaça aos alienígenas. Alguns guardas patrulhando
as cercas era mais para cumprir uma rotina do que garantir proteção, por assim
dizer. Com uma micha, Arthur forçou a fechadura da porta que abriu-se sem muita
dificuldade, conduzindo-o a um corredor estreito e não muito comprido, que por
sua vez introduziu-o numa ampla e iluminada sala com muitos computadores em
atividade. À sua frente havia outra porta de onde vinha um ruído como se alguém
estivesse digitando algo. Cuidadosa e
silenciosamente, Arthur se aproximou. Espiando pela pequena janela notou alguém
sentado em frente a um computador. Não se parecia com um zumbi. Parecia-se mais
com uma mulher, vista por trás. Chamou-lhe a atenção o cabelo e a maneira que
estava preso. Parecia-se com o de... Zaira?
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Arthur não podia acreditar no que
estava vendo. Ao entrar na sala Zaira virou-se e ficou frente a frente com ele,
com aquele olhar como se dissesse: “esperei por você esse tempo todo!”
-Zaira... meu amor, como você veio
parar aqui? – perguntou Arthur numa ansiedade crescente. –Como você não se
tornou um zumbi? Eu vi quando lhe injetaram aquilo, seja lá o que for... Será
que você também é imune? Onde está Kate?
Ela também está segura?
Zaira nada respondia. Apenas olhava
para ele com uma expressão que Arthur não conseguia definir. E quando Arthur
dirigia-se para ela, para abraçá-la, Zaira pressionou um botão ao seu lado, e o
chão fugiu dos pés de Arthur. Surpreso, e confuso, Arthur mergulhou num vazio
escuro.
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Pouco a pouco a visão embaçada de
Arthur ia ficando mais e mais nítida. Sentia um gosto metálico na boca, e uma
dor em todo o corpo. Seus pensamentos estavam confusos, e o esforço para entender
o que estava acontecendo aumentava sua dor na cabeça. Sentiu também um
agradável perfume no ar, um perfume conhecido que o fazia se sentir bem.
Enquanto tentava lembrar-se onde sentira aquele aroma, um vulto surgia à sua
frente, tomando forma cada vez mais nítida, como se uma imagem distorcida por
excesso de zoom fosse corrigida. Era Zaira, que sentada ao seu lado na cama o
olhava com um olhar preocupado.
- Não faça esforço meu amor. Você
passou por um momento horrível. –Dizia Zaira enquanto segurava numa mão um
comprimido, e um copo com água na outra.
-Zaira... – balbuciou Arthur. –
O-onde estou... O que aconteceu?
- Descanse Arthur, querido. Tome
esse remédio... Vai te fazer bem.
-Mas e os alienígenas? –
perguntou Arthur. – Como você escapou?
Zaira o olhou, penalizada, e
pousando a mão sobre o seu peito disse-lhe: -Arthur, você passou por um grande
trauma na queda... no aniversário de Katy, lembra?
-Eu lembro dos alienígenas
invadindo o lugar... os zumbis... o cheiro insuportável de carne podre. Eu lembro
de você e Katy sendo dominadas por eles...
-Calma, calma, querido... não se
agite. – Falou-lhe Zaira com ternura. – Como já disse sua queda foi grave. Você
bateu com a cabeça na mesa com muita força... e a medicação tem provocado essas
alucinações. Não se preocupe. Eu estou aqui e vou cuidar de você...
-O-onde está Katy. Eu quero vê-la
- Disse Arthur aflito.
-Ela já está a caminho. Vem da
escola direto pra cá, como tem feito durante todos os dias em que você ficou em
coma. Agora basta que você tome este comprimido, e me deixe cuidar de você.
Zaira colocou o comprimido em sua
boca e curvou-se para levar-lhe o copo à boca. Mais uma vez Arthur sentiu o seu
perfume delicioso. O remédio começou o seu efeito rapidamente.
-Não se preocupe Arthur... Tudo
vai ficar bem... O melhor em nossas vidas apenas está começando...
A voz de Zaira foi ficando cada
vez mais distante, enquanto um sentimento de fraqueza tomava conta de Arthur... Sentia-se como se estivesse
levitando; como se seu espírito estivesse saindo do corpo. Percebeu que uma
porta abria-se atrás de si deixando entrar uma lufada de ar... e um cheiro nauseante. Num esforço Arthur
respirou fundo, e então deu-se conta do que estava ocorrendo, e que estava acontecendo de novo. Abriu sua boca,
aterrorizado, num grito sem voz...